8 de set. de 2010

AMIZADE PERIGOSA


Jo. 11: 3Mandaram, pois, as irmãs de Lázaro, dizer a Jesus, está enfermo aquele a quem amas”.
Lázaro, amigo do Senhor  não fazia parte do restrito círculo dos discípulos, nem seguia a Jesus em suas peregrinações, tinha duas irmãs, Marta e Maria. Vivia em Betânia, uma aldeia incrustada nas encostas orientais do monte das Oliveiras, no limite do deserto de Judá. Com seus cerca de três quilômetros de distância de Jerusalém, representava a última paragem para quem vinha de Jericó, subindo para a cidade.
Como se sabe, o Senhor não tinha morada fixa. A casa de Lázaro representava seu refúgio quando se encontrava por aqueles lados, entre a Galiléia e a Judéia.
Marta, o "motor" da casa, procurava servi-lo. Maria, a outra irmã de Lázaro, quando Jesus chegava largava tudo para se agachar ao lado dele e não perdia uma vírgula do que dizia.
Os fatos que dizem respeito a ele acontecem dois meses depois da festa da Dedicação, que caía no final de dezembro, e lembrava a consagração do Templo feita por Judas Macabeu em 164 a.C. Era chamada também "festa das luzes", devido às grandes tochas que eram acesas e ao espírito nacionalista que a permeava. Devia, portanto, ser entre final de fevereiro e início de março do ano 30.
Jesus se encontrava naquele momento na Transjordânia, chamada na época Peréia, precisamente onde João Batista ministrara seu batismo, e pretendia ficar lá por algum tempo.
É ali que recebe a triste notícia, enviada por Marta e Maria, da doença de Lázaro.
Uma doença gravíssima, ao que tudo indica, uma vez que as duas jovens exigiam sem demora a presença do Senhor ao lado do irmão delas. Peréia ficava a pouco mais de um dia de viagem.
O comportamento do Senhor pegou a todos de surpresa. Esperava-se que aquela grande amizade, aquele grande amor pelos três irmãos compelisse Jesus a ir correndo para a casa de Betânia. Mas isso não aconteceu. Quando o Senhor "soube que este se achava doente, permaneceu ainda dois dias no lugar em que se encontrava; só depois, disse aos discípulos: ‘Vamos outra vez até a Judéia!’".
Nesta altura, deve-se considerar um fato de grande importância: pôr os pés na Judéia naquele momento significava praticamente aproximar-se de Jerusalém, visto que Betânia ficava só a três quilômetros da cidade. Ou seja, era ir ao covil dos inimigos de Jesus. Os discípulos se alarmaram e manifestaram abertamente sua angústia: "Rabi, há pouco os judeus procuravam apedrejar-te e vais outra vez para lá?".
A que se referiam exatamente os discípulos? Referiam-se ao fato de que, dois meses antes, Jesus, interrompendo sua peregrinação pela Judéia, fora a Jerusalém para continuar lá seu ministério, justamente durante "a festa das luzes", que, como já foi mencionado, acendia e não pouco o espírito nacionalista dos judeus. E a sua presença na cidade logo foi percebida, a ponto de se tornar objeto de particular atenção e vigilância por parte das autoridades supremas do judaísmo, que o tinham em sua "mira" havia um bom tempo.
Não dá para entender até o fundo o amor por Lázaro sem lembrar a que ponto Ele se arriscava aproximando-se de Jerusalém. Jesus então disse: "Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo". Palavras que confirmaram os discípulos no erro, considerando o fato de que Jesus, ante a notícia da doença do amigo, a havia definido como não mortal. E sobretudo porque ficou onde estava por mais dois dias, em vez de correr à cabeceira do amigo. Os discípulos então responderam: "Senhor, se ele está dormindo, vai se salvar ".
Não dizem "vai acordar", mas "vai se salvar". Havia um motivo: a medicina no tempo de Jesus considerava o sono profundo sintoma de que o organismo estava reagindo contra a doença e que doença começava a ir embora. "Então Jesus lhes falou claramente: ‘Lázaro morreu. Por vossa causa, alegro-me de não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele’".
Aí os pobres discípulos não entenderam mais nada. Lázaro estava morto, portanto não havia mais motivo de ir vê-lo. Ainda mais pelo fato de que ir à Judéia significava enfiar-se no covil dos fariseus e dos sumos sacerdotes. Pobrezinhos: estavam entre o medo terrível de arriscar a própria pele entre os inimigos vingativos e a dedicação absoluta a Jesus, que parecia irremovível da idéia de viajar. Tomé tentou convencer seus amigos, evidenciando porém sua total desconfiança quanto ao resultado final: "Vamos também nós, para morrermos com ele!". Todos, então, partiram para Betânia, chegando em um só dia.
Entre os judeus, os mortos eram sepultados no mesmo dia em que morriam.
Pensava-se que a alma do defunto vagueava por três dias ao redor do corpo, esperando penetrar de novo nele, mas, no quarto dia, começando a decomposição, ela se afastava para sempre. As visitas dos parentes e amigos para as condolências se prolongavam por sete dias, mas eram mais numerosas nos primeiros três dias. Os visitantes exprimiam seus pêsames primeiro com o típico barulho oriental, gritando e lamentando, chorando, rasgando as vestes e, por fim, permanecendo algum tempo sentados no chão em profundo silêncio.
Quando Jesus chegou, as duas irmãs estavam rodeadas de visitas que foram lhes dar os pêsames. Marta foi primeiro ao encontro de Jesus, depois Maria também foi, seguida pelas visitas. Depois de trocar poucas palavras com as irmãs e ver todas aquelas pessoas desoladas e chorando, "Jesus comoveu-se e ficou conturbado", como um homem vivo e verdadeiro, capaz de experimentar os mesmos sentimentos que todos os outros homens. "E perguntou: ‘Onde o colocastes?’. Responderam-lhe: ‘Senhor, vem e vê!’. Jesus chorou.
Diziam, então, os judeus: ‘Vede como ele o amava!’. Alguns deles disseram: ‘Esse, que abriu os olhos do cego, não poderia ter feito com que ele não morresse?’. Comoveu-se de novo Jesus e dirigiu-se ao sepulcro. Era uma gruta, com uma pedra sobreposta. Disse Jesus: ‘Retirai a pedra!’. Marta, a irmã do morto, disse-lhe: ‘Senhor, já cheira mal: é o quarto dia!’. Disse-lhe Jesus: ‘Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?’.
Retiraram, então, a pedra. Jesus ergueu os olhos para o alto e disse: ‘Pai, dou-te graças porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves; mas digo isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que me enviaste’. Tendo dito isso, gritou em alta voz: ‘Lázaro, vem para fora!’. O morto saiu, com os pés e mãos enfaixados e com o rosto recoberto com um sudário. Jesus lhes disse: ‘Desatai-o e deixai-o ir embora’".
Os túmulos palestinos no tempo de Jesus não ficavam muito longe dos lugares habitados, ou mesmo na sua periferia. Os túmulos das pessoas de um certo nível normalmente eram escavados na rocha, perpendicularmente, como covas, nos lugares planos, ou horizontalmente, em forma de gruta, nos lugares de colina. Consistiam essencialmente numa câmara funerária com um ou mais nichos para os corpos, freqüentemente com um pequeno átrio antes da câmara: átrio e câmara se comunicavam mediante uma porta estreita que ficava sempre aberta, ao passo que o átrio se comunicava com o exterior mediante uma porta que era fechada com uma pedra grande.
O corpo, depois de lavado, recoberto de perfume, enfaixado com bandagens e envolto num lençol, era simplesmente colocado em seu nicho na câmara funerária, permanecendo portanto em contato quase direto com o ar interno: é fácil imaginar que ao terceiro ou quarto dia depois da deposição, apesar dos perfumes, todo o interior do túmulo estivesse impregnado do odor exalado pelo cadáver.
Por isso Marta fica preocupada quando Jesus manda retirar a pedra que fechava a porta externa. O corpo de Lázaro está lá há quatro dias.
Hoje, no lugar em que ficava a antiga Betânia, se vê um túmulo que a tradição documentada desde o final do século IV identifica como sendo o de Lázaro.
Independentemente da autenticidade desse túmulo, o que impressiona na narração de João é a extrema precisão, até os mínimos detalhes. Até mesmo os de caráter psicológico. Basta pensar no comportamento de alguns judeus. Eles contestam a Jesus, não sem uma ponta de escárnio, por não ter impedido a morte de Lázaro, depois de ter dado a visão ao cego de Jerusalém. Após o milagre, há uma divisão entre os próprios judeus, narrada desta forma pela testemunha ocular: "Muitos dos judeus que tinham vindo à casa de Maria, tendo visto o que ele fizera, creram nele. Mas alguns dirigiram-se aos fariseus e lhes disseram o que Jesus fizera".
De qualquer forma, os chefes judeus de Jerusalém levaram muito a sério a denúncia da ressurreição de Lázaro. Em Jerusalém, convocou-se uma assembléia, da qual fizeram parte muitos membros do Sinédrio. Foi posta a questão: "Que faremos? Esse homem realiza muitos sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão nele e os romanos virão, destruindo o nosso lugar santo e a nação".
Participava também da assembléia o sumo sacerdote Caifás, o qual, depois de ter ouvido em silêncio as várias propostas, toma a palavra: "Vós de nada entendeis. Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?". Caifás não cita nenhum nome, mas todos entendem: o único homem que deveria morrer pelo povo era Jesus.
O Senhor logo fica sabendo daquela assembléia e do que havia sido deliberado. Daí para frente não se apresenta mais em público, e, afastando-se da região "quente" de Jerusalém, retira-se para uma cidade chamada Efraim, cerca de 25 quilômetros ao norte de Jerusalém.
E Lázaro, que fim levou? Sabemos, sempre por João, que encontrou de novo o Senhor. Mesmo porque Jesus ficou por pouco tempo em Efraim. Aproximando-se a Páscoa, partiu para Jerusalém seguindo o caminho mais longo, que, costeando o Jordão, passava por Jericó.
Subindo de Jericó para Jerusalém, Jesus teria necessariamente de passar por Betânia, da qual se afastara poucas semanas antes. Chegando à cidade, recebeu acolhida triunfal provocada pela lembrança da recente ressurreição de Lázaro. Na noite em que chegou, num sábado, houve um banquete em sua homenagem na casa de um certo Simão, denominado o Leproso, um dos mais abastados do povoado, que era assim chamado por causa da doença que teve e da qual estava curado, talvez por obra de Jesus.
Entre os convidados estavam Lázaro e suas duas irmãs. E como sempre, Marta dirigia a preparação do jantar. Maria, por sua vez, levou para homenagear Jesus um vaso de alabastro, no qual eram conservadas essências aromáticas de grande valor, destinadas ao Senhor. Chegando ao divã de Jesus, a mulher, em vez de tirar a tampa do orifício, quebrou o gargalo alongado, como sinal de maior dedicação, e espalhou abundantemente as essências sobre a cabeça dEle, e o que sobrou sobre seus pés. Depois os enxugou com seus longos cabelos. Essa generosidade surpreendeu Judas Iscariotes. Este protestou abertamente, dando como desculpa que vendendo todo aquele ungüento ela poderia ter feito doações aos pobres. Na realidade, como narra João, Judas "era ladrão". De fato, ele tirava dinheiro da bolsa comum dos discípulos.
Nesse meio tempo, em Jerusalém, "uma grande multidão de judeus, tendo sabido que ele estava ali, veio, não só por causa de Jesus, mas também para ver Lázaro, que ele ressuscitara dos mortos".
Esse fato também chegou a Jerusalém; e os sumos sacerdotes, confirmando o propósito de condenar Jesus à morte, "decidiram, então, matar também a Lázaro".
O motivo era claro: mortos Jesus e Lázaro, a agitação do povo se acalmaria e tudo voltaria ao que era antes. Sabemos como isso vai acabar, dali a poucos dias. Lázaro consegue se salvar. O Senhor retoma com os seus a estrada para Jerusalém, para que se cumpram as Sagradas Escrituras.
Por João, sabemos que a peregrinação à casa de Lázaro não parou. Muitos queriam ver de perto o amigo de Jesus que ressuscitou.
É comovente pensar que a ressurreição de Lázaro acelerou a morte do Senhor: a magnificência e a grandiosidade desse milagre fizeram os fariseus se decidirem, já assustados com a fama de Cristo.
Dali a poucos dias aconteceria uma outra e bem mais grandiosa Ressurreição.

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